Ana Priscila C. Luz é advogada, revisora, tradutora e psicanalista em formação. Autora de “Poeta em Pânico”, colabora com veículos como Jornal Plástico Bolha, RelevO e a revista britânica Dust. Seu próximo livro de poemas “Fragmentos” está no prelo (Penalux). Mantém o blog Poeta no divã.
O ensaio não pode ser substantivo, há de estar mais para verbo. Ensaio mais ar: transitivo indireto resoluto que paira pleno, para além da mera nomeação. Ensaiar é lançar-se à empreitada de capturar a essência do éter. É preciso andar medindo e pesando o ar, estocando-o em tubos de ensaio. Na base da tentativa e do erro, há também de se inserir uma gota de empirismo lírico. Empilirismo!
Freud dizia que o pensamento é ensaio que precede o agir. E não é que a vida pode passar batida numa grande elucubração? Há quem considere menos custoso contemplar a natureza do ensaio em vez de deveras ensaiar. Por isso admiro o trabalho do ator. A cogitação acerca da cena pode durar o tempo que for, mas será preciso atacá-la. Mesmo durante o ensaio (principalmente através dele), o ator se propõe à passagem mais fascinante possível, a de atravessar o mundo das ideias e desaguar na realidade tangível, com todas suas dores e delícias.
É na disciplina do artista que mora seu brilhantismo, no ensaiar diário e não raro aterrador que exige gana. É preciso muita força, força muita mesmo, aliada a uma curiosidade canina de quem jamais largará o osso. Um fazer constante e sem alvoroço. Um cozer sem fogo vistoso. Nem sempre vai dar certo, e é bom que seja assim. Só quem já comeu muito mal pode apreciar um bom rango.
Ensaio bom mesmo é aquele que está pronto, lindamente colocado à mesa. Um Chesterton da vida não precisa de qualquer molho. Ortega y Gasset deveria estar sempre disponível no menu do dia. Mas o dileto leitor dá de cara comigo, uma entrada desconhecida. Valho a degustação?
Garantias não posso oferecer, até porque gosto não se discute. Afirmo sem embaraço que tenho notas cítricas. Sou menos áspera e mais macia do que a maioria, e carrego no miolo uma vontade arrebatadora de ser ensaísta.
Aliás, como são poucas as ensaístas neste país! Verdadeiras miragens num deserto masculino. Na seara internacional, não por acaso também são poucas as mulheres referências do gênero. Aproveito para declarar que, em minha mui pouco fidalga casa, enaltecemos Susan Sontag.
Ensaiei com a metalinguagem, flertei com um quê de tenacidade, mas caio na armadilha da pressa. Tenho data para entregar esse meu ensaio e não há como fugir da raia. Aquela coisa toda de fazer a redação a lápis é eufemismo. A gente faz prova é direto à caneta. Quando pensa em passar a limpo, soa o sino: é o rascunho a prova dos nove.
Foto de Luísa Machado.
Comment (1)
Adorei o humor